segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Transitivo Direto

Nos últimos dias tenho pensado muito em um verbo que volta e meia aparece na minha vida. Há uns 10 dias, fui entrevistado para um vídeo institucional da TV Globo. Pela primeira vez pude falar o que realmente penso a respeito de todo o processo de edição das matérias e que, hoje, me sinto totalmente preparado para fazer tanto a de imagem quanto a de texto. Disse também que tenho uma paralisia cerebral discinética e que a razão pela qual eu ganhei esse "presente" é desconhecida.

O fato é que a paralisia nunca me impediu de fazer nada, ou quase nada. Meus pais tiveram, e ainda têm, um papel importantíssimo nessa caminhada. Tive, desde pequeno, acesso aos melhores tratamentos disponíveis no Brasil. Quando alguma dificuldade aparecia a equipe entrava em ação para achar o melhor caminho e contornar, ultrapassar, passar por cima do obstáculo. Foi assim que a máquina de escrever entrou na história, para facilitar minha alfabetização. Ao longo de quase 20 anos, três Olivettis, elétricas, passaram pelas pontas dos meus dedos, do CA até a entrega do diploma na PUC-Rio, em 2008.

As velhas máquinas ficaram para trás. Mas o verbo, esse, de 10 dias atrás, acompanhou meu crescimento e sempre estará comigo. É presença constante nas sessões de fisioterapia e terapia ocupacional, na escalada, e até, como minha mãe sempre diz, nas relações pessoais, no meu dia-a-dia. O problema, e principal motivo dessa reflexão, é a forma de usá-lo. Para chegar aqui, enfrentei dificuldades, barreiras, obstáculos, et caetera. Uns foram fáceis de vencer. Outros, como a própria paralisia, sempre estarão comigo e, por isso, o duelo será eterno. Por isso, a primeira frase de minha apresentação no institucional - "Daniel Gonçalves superou a paralisia cerebral para se formar em jornalismo..." - está mal colocada. Como disse acima, a atetose sempre estará comigo. Impossível superá-la por completo. De tempos em tempos ela dá sinal de vida e, quando isso acontece, tome fisioterapia para botar as coisas no lugar.

Hoje, morando sozinho, formado, trabalhando e cheio de ideias na cabeça, o mais difícil de superar é a desconfiança de pessoas que não me conhecem em relação ao meu trabalho e às minhas capacidades. Na hora de a onça beber água, em três entrevistas finais de estágio na própria Globo, em 2007, não fui o escolhido. Ainda em 2007, na Band, um dos meus chefes ficou com medo de eu não dar conta do recado e, sem nem sequer ouvir minha opinião, me deixou de fora da cobertura in loco dos Jogos Panamericanos daquele ano.

Por isso, eu, Daniel Gonçalves, para chegar aonde cheguei e ir além (esse é o objetivo), superei, suplantei e ainda vou superar e sobrepujar desconfianças, medos, receios e até preconceitos. Como na primeira vez que respondi a um comentário a meu respeito. Ao me ver andando, um homem comentou com sua mulher: "Tadinho dele...". E eu, aos dez anos, mandei na lata: "Tadinho é o caralho!". Ponto final na discussão!